Eu não embarquei num ônibus executivo da Viação 1001, com tarifa absurdamente cara, para ser assaltado, levar a limpa de um trio de bandidos disfarçados de gente boa e ficar ao léu sem ter como voltar pra casa.
Eu paguei caro para viajar em segurança, chegar em casa intacto, não ser agredido e nem ser roubado.
Tampouco sabia que o ônibus-executivo da Viação 1001 não tinha câmeras de segurança, que existem aos montes em outros carros da empresa. Nem imaginava que a 1001 pudesse me deixar ao deusdará, em São Cristóvão, sem dinheiro para um copo d’água, quanto mais outras necessidades, como uma dipirona para aplacar a dor das porradas. Contava que a 1001
Foi assim: como de costume, embarcamos eu, meu smart phone e laptop no ônibus executivo da linha Castelo-Piratininga das 19h10mim. Ônibus de luxo, ar condicionado, de vidro espelhado, cortinas e motorista engravatado como a maioria dos passageiros. Na Presidente Vargas, embarcaram três “executivos”, em traje passeio, blazer, pasta de laptop (duvido que houvesse algum ali, só armas). Espalharam-se pelo ônibus, na frente, meio e atrás.
Na Leopoldina, última parada antes de subir, um “executivo” se dirigiu ao motorista, apontando um trabuco enorme
– Colaborae, pra ninguém se machucar. Não tente nada, só vamos fazer nosso trabalho.
Atrás estava o “Dimenor”, único nome pronunciado. Pareciam ter ensaiado essa parte. E os gritos e coronhadas.
– Só queremos celular, jóias, laptop e relógio, todo mundo com as mãos no teto (bagageiro) – bradava o do meio, um pistolão em cada mão, com bala na agulha, que parecia ser o professor, o CEO da “empresa”.
Fui o primeiro a perder. Estava ao celular com meu filho e só senti uma porrada na cara e lá se foi meu smart phone, que ficou tocando na mochila que ele carregava estratégicamente ao peito, onde recolhia os pertences alheios.
O terror aumentou quando proclamou que já havia matado muita gente e que quem estivesse escondendo algum pertence ia cair (morrer).
Meu medo era um sujeito grande lá atrás. Sabia que ele era policial federal e estava armado. Irradiava às forças superiores, embora o ambiente não ajudasse, para ele não reagir. Ainda bem.
Deu pra perceber que o ônibus estava na Avenida Brasil, sentido completamente oposto a Piratininga. Acreditei que naquele instante o controle de GPS da Viação 1001 cortaria o motor do coletivo. Que nada, lá se foi, bem devagar. Pensei nas favelas da área: Parque Alegria, Barreira do Vasco, União e lá longe Manguinhos. E nada do motor apagar. GPS de merda, pensei.
O da frente recomendava que se desse porrada nos passageiros.
– Dá coronhada que aparece mais coisa, pórra eles..
E o do meio atendia. As mulheres eram esculachadas. Uma chegou a chamar o CEO para entregar o restante das jóias e dinheiro que tentou preservar. A quantidade de pertences era tamanha que tomaram a bolsa de uma passageira e a obrigaram a sair recolhendo, numa espécie de repescagem, como se do bando fosse.
O trio levaria o ônibus para a favela, onde pretendia “dar uma geral”, ver se alguém havia jogado algum objeto de valor no chão, ter sentado em cima ou coisa parecida.
Senti uma coisa nos meus pés. Era o laptop do passageiro de trás. Pensei:
– Qualé a desse cara? Tá a fim de me fud…? – e tratei de jogar de volta pra trás com o calcanhar. Fiquei entre me livrar do troço, chamar o bandido ou entregar o cara. Vai que ele acha aqui nos meus pés e pensa que era meu, que eu estava tentado esconder… Poupei a vida dele e a minha.
Já na entrada da favela do Caju, o motorista advertiu.
– Esse carro tem GPS, eles tão ligando aqui, acho que vão cortar o motor.
Era o fim do assalto, com o mesmo terror e satisfeitos, os bandidos fazendo de conta que estavam nervosos, descontrolados. Mas sabiam exatamente o que faziam.
Ainda bem que o Federal agüentou numa boa, sem reação. E acho que nem ficou pra dar queixa e passar pelo nosso martírio e angustia na 17ª DP. O motorista Robson foi autorizado a telefonar para a empresa. Pensei, vão mandar socorrer a gente, levar pro hospital, levar em casa… que nada! A empresa, no jargão popular, cagou e andou para as dezenas passageiros seus que foram violentados e despojado de bens e dinheiro. Nem um tostão para um copo d’água, um comprimido para dor. Nada.
Pela conversa de Robson com seus superiores, deu pra perceber o descaso. Queria saber como estava o ônibus, a féria do dia e recomendou que não deixasse de pegar a cópia do registro de ocorrência, que deveria ser liberada pela madrugada.
E nós, distantes de casa, sem dinheiro, sem lenço nem documento, como voltar pra casa? A Viação 1001 nos tratou como se transportasse sacos de batata, se é que os bandidos daqui assaltam batatas. Nem mandou devolver o dinheiro pelo serviço não prestado. Só uma palavra de consolo: fodam-se.
É o que vamos ver, 1001. É o que vamos ver.
Repercussão na imprensa http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/08/04/onibus-da-viacao-1001-que-seguia-para-niteroi-assaltado-nesta-quinta-feira-925069661.asp