Ninguém noticiou que morreu, há 10 dias, o pintor P. Sodré (Péricles de Mello da Rocha Sodré), filho do também pintor D. Sodré. Mineiro de BH, onde nasceu em 1936. Começou a pintar aos 10 anos, com Ary Duarte, Aluisio Vale, o pai (Diógenes Sodré) e Tolentino.
Era um contestador, crítico e teve importante papel na criação dos meus filhos, especialmente Thiago, a quem queria fazer pintor também. E queria muito, mas acho que seu gênio esporrento botou Thiago pra correr.
No alto, Sodré engravatado, coisa rara e abaixo dele um óleo sobre tela da Estação da Cantareira, que não existe mais.
Já o fim da vida, mudou-se para Araruama, onde já estava a filha Valéria. De lá saiu para morrer na sua amada Niterói, depois de três dias em coma. O coração não agüentou mais dar lição de moral. Sodré não pintou santos nem por encomenda, que eu saiba.
Cais do Porto, em Niterói, no Moinho Atlântico, fábrica da Dona Benta.
Nossos reencontros não foram mais tão freqüentes e sempre que o via era patente sua boa forma. Era um excelente cozinheiro. Tudo que fazia era bom e gostoso. Aprendi com ele um angu diet, feito coim miúdos de frango e o “nem burro agüenta”, um prato com canjiquinha amarela cozinhada por três horas para não dar Ásia. Além da canjiquinha, que forava o fundo do prato, tinha carne-seca picadinha, chicória e torresmo. Dá um suador, uma moleza… de fato, nem burro agüenta.
P. Sodré imortalizou um estaleiro que tratabalhava em madeira na Ponta da Areia, construindo e reformando embarcações de todos portes para a época..
Faço o registro e acrescento um e-mail que outro amigo artista, Nelson Godoy, mandou para um amigo, com cópia para mim:
O Sodré era artista e vivia da arte; teve outras atividades antes, foi dono de retífica de motores, executivo da Verolme (estaleiro em Angra dos Reis) e largou tudo para se dedicar à pintura. Foi um dos grandes “marinhistas”, captando com rara competência o colorido e a luminosidade da região costeira do Rio de Janeiro. O projeto dos painéis fazia parte do “Arte nas agências Banespa” – criação minha e do Henry Vitor -, que incluia recitais de piano com o Ezequiel Moreira Júnior, apresentações de grupos de teatro e dança (pessoal da agência Central), etc.. Os artistas todos eram funcionários que faziam tudo de graça, até fora do expediente, sábados, domingos e feriados. O Banco, quando muito, dava transportes e lanche. Nós, eu e o Henry, pintávamos os painéis a troco de salário e dois meses de licença remunerada, nas nossas casas, arcando com todos os custos indiretos da empreitada. Para você ter uma idéia, esses painéis foram avaliados pela crítica especializada entre U$SD30,000 e U$SD100,000.00. Antes do projeto dos painéis ser desativado, o argumento que a chefia utiizou para nos tirar dos holofotes era a de que deveríamos contatar artistas de renome que tinham conta nas agências e propor a eles a confecção de painéis (de livre criação, não iriam mais contar a história das cidades e dos bairros…) – sendo muito bem remunerados – em troca da divulgação, pelo banco, do fato de serem correntistas…O Henry, quando viu que iria novamente ter de assumir funções bancárias – deixaria de pintar – e ficaria coordenando o projeto, preferiu pedir descomissionamento, voltar a ser escriturário. Pouco tempo depois puxaram ainda mais otapete dele, fez acordo com o banco e saiu. A mim, propuseram ….. (corttado por mim)
… Como sempre achei que os projetos eram uma idéia genial (modésti a à parte) – havia mais de uma dezena de pedidos de agências – cerca de um ano depois levei minha proposta diretamente à Presidência, não como funcionário, mas como um dos “artistas de renome”, clientes do Banespa…Lógico que cobrei pelo painel. Cobrei e bem cobrado. O pessoal da área de marketing – onde eu “trabalhava” (estava afastado por ordem do Diretor de Marketing…) só ficou sabendo uma semana antes, quando chegou a ordem para a divulgação do evento….Coisas da vida. Já que o Banespa queria pagar, por que não eu?
Abraços, Nelson Godoy
Nota 1) Para achar alguém para me ajudar não foi fácil; painéis históricos requerem representação fidedigna de locais, costumes, etc. Para tanto, o artista tem de saber desenhar, ter noção de profundidade, etc. em suma, precisa ser realmente um artífice, conhecer o ofício. Por outro lado, a pintura clássica ou acadêmica não mais preenche os anseios do público, eis que a vida é dinâmica. Conseguir encontrar alguém que reunisse essas duas características fundamentais, tivesse competência, disposição e tempo livre, não foi fácil. Quase um milagre. Apesar de existirem tantos artistas em S. Paulo, quase nenhum sabe desenhar, não tem formação clássica. O Sodré, além de possuir esses requisitos, era um intelectual, conhecedor da história pátria e incansável trabalhador. O seu jeito bonachão, gozador, tornava tudo mais agradável. Além da simplicidade, sua maior qualidade. Ficamos grandes amigos e a arte brasileira pouco soube reconhecer seu talento.
Nota 2) “Santo de casa não faz milagre”.